terça-feira, 25 de junho de 2019

Andando pela Mooca na "maior vula"


Nos idos de 60-70, a garotada da Mooca usava uma gíria pra dizer que alguém ou algo estava muito veloz:
- Meu, ele passou por aqui na "maior vula"!
Tínhamos um amigo literalmente viciado em velocidade. E mais, velocidade sobre duas rodas, em possantes motocicletas. Seu nome era Luiz Anticcelli Colombo, um exímio motociclista, que arrasava corações de gatinhas com sua moto roncando alto pelas ruas da nossa República Federativa da Mooca. Me lembro bem que ele namorou algumas das garotas mais cobiçadas da nossa tirma. Apenas um detalhe depunha contra o audaz motoqueiro: Ele não enxergava bem. Aliás, enxergava bem sim...bem mal. Se não me engano, por um acidente desses da vida, Colombo teve suas retinas comprometidas. Se estou falando alguma grande bobagem, que me desculpem os senhores doutores em medicina, mas era assim que a gente se referia ao problema dele: retinas queimadas! Colombo não conseguia diferenciar uma árvore de um ser humano a mais de 3 metros de distância. Parece que só enxergava vultos.
Ainda assim, nosso amigo Luiz voava em duas rodas pra todo o canto. E sempre arranjava um maluco maior do que ele para ser seu garupa...e seu "cão guia', cá entre nós!!!
Um desses doidos de plantão era meu grande amigo Afonsinho, dono da famosíssima Pipi Burger, uma lanchonete que servia de base pra todos nós. Luiz pilotava e Afonsinho era seu GPS, nos tempos em que nem se imaginava nessa tecnologia:
- Colombo, vai aparecer uma esquina em 3 segundos, vire pra esquerda!
ou:
- Uma senhora está atravessando a rua, reduza!
ou ainda:
-Tem um bueiro bem na nossa frente, desvie um pouco pra direita!
Era uma parceria de fazer inveja. Apesar de todos os riscos, nunca haviam sofrido um acidente!
Numa bela tarde de domingo, Colombo decide "dar umas bandas" pela Mooca e convida Afonsinho, que aceita de imediato. Após algumas voltas, Luiz resolveu descer a Rua da Mooca "na maior vula" pra testar a potência de uma nova motocicleta que acabara de comprar.
-Vamos ver até qual velocidade esta geringonça vai!
Desde os tempos da imigração  no seculo XIX, existe uma linha de trem que cruza a Rua da Mooca, mais ou menos na altura da famosa Cervejaria Antártica. Hoje um viaduto sobrepassa o obstáculo férreo, mas naquela época havia uma cancela, com dois braços que bloqueavam a rua quando da passagem dos trens.
Eles deviam estar a uns 150 km por hora quando se aproximavam das cancelas e estas começaram a se fechar. Colombo vira pro Afonsinho e pergunta:
-Você acha que vai dar pra passar??
E ele:
- Vai, pode ir que vai dar sim! Mas acelera!!! Acelera pô!!!!!
- Não dá mais meu! Já tá no limite da moto!
- Então mira no meio e vai fundo!!!
Colombo seguiu as instruções do Afonsinho e acelerou tudo o que podia. Afonsinho gritava:
- Vai, vai que dá, vai que dá...
E..."pow"! Colombo acerta a cancela com o capacete e arranca sua ponta. A moto serpenteia pra todos os lados, mas o motoqueiro consegue restabelecer o equilíbrio e os dois voltam ilesos  e triunfaantes para o Pipi Burger. Além da cancela, o único avariado foi o capacete de Colombo.
Se vocês acham que com esse susto meus "amicelli" Luiz e Afonsinho desistiram de suas aventuras, ledo engano! Ficaram mais ousados e atrevidos. Além do que, Colombo adaptou a ponta da cancela (que ele recuperou) na frente de sua moto e a ostentava como um troféu.
Após algum tempo, Colombo sumiu. Deve ter-se mudado da Mooca, pois nunca mais o encontrei. Já Afonsinho, pegou gosto pela coisa. Hoje é ele que circula pela Mooca em possantes motocicletas. E, curiosamente, também perdeu o acuro visual...coisas da idade. No entanto, tantos anos como co-piloto de Colombo serviram pra alguma coisa. Afonsinho consegue pilotar seu bólido "na maior vula" até com os olhos vendados! Mas, com certeza ele está precisando de um bom co-piloto pra ser seu garupa. Que tal, meu amigo, você não quer se habilitar? Gosta de emoções fortes? A vaga está aberta!!!

O casamento da amiga lituana


Como já tive a oportunidade de comentar, a Mooca adotou gente de todas as partes do mundo como seus cidadãos. Uma comunidade bastante representativa entre nossos habitantes é a lituana.
Se você for convidado a comparecer em uma festa organizada pelos lituanos, não titubeie. Com certeza, nunca mais se esquecerá. Muita música, danças típicas, muita bebida e gente bonita. Quem vê aquelas pessoas se divertindo, cantando, dançando e bebendo, não consegue imaginar o quanto esse povo sofreu em sua terra natal, oprimido por outras nações e por governos tiranos.
Bem, um certo primo meu, o Gennaro (Rino entre os íntimos) era muito amigo de uma turma de lituanos que participava de um grupo de danças folclóricas. Eu nunca vi um povo beber tanto! Entornavam vodka como eu bebo cerveja, e bebiam cerveja como a gente bebe água. Mas há uma bebida originária da Lituânia chamada “krupnikas” (não sei se é assim que se escreve, mas com certeza, o som é esse). Parece ser um destilado cítrico, adocicado e forte, muito forte. Quando experimentei, fiquei meio tonto com apenas um cálice desses de licor!
Mas voltemos ao primo Rino. Ele estava namorando havia uns 2 meses com uma espanholinha linda, a Isabel, que conhecera na Faculdade São Judas Tadeu. A garota era uma graça. Morena, bonitinha, gostosinha e super discreta! Tudo o que um rapaz de 18 anos deseja!
Um belo dia, Rino recebe um convite de casamento. Uma de suas amigas lituanas, a Sonia Patrouskas, resolveu casar-se de uma hora pra outra. E com um carioca surfista bem moreno e de cabelos descoloridos pelo sol. A grande maioria dos lituanos é constituida de gente com a pele bem clara e cabelos loiros. Soninha e o carioca, que se não me engano chamava-se Ricardo, contrastavam feito marfim e ébano (só pra parodiar o Paul).
É evidente que o Gennarino iria ao casamento, e aproveitaria a ocasião para apresentar sua linda Isabel aos amigos lituanos. Combinou com a namorada que, após a festa, esticariam a noite em um motel. Ele mal podia esperar pelo dia em que iria conhecer, no sentido bíblico, aquela gostosura de garota.
No dia do casamento, meu primo foi buscar a namorada. Ela estava deslumbrante, dentro de um lindo e sensual vestido dourado. Quando trocaram um beijinho, ela cochichou no ouvido dele:
-Hoje a noite vai ser maravilhosa! Praparei uma surpresa pra você!
-Surpresa? Me conte!!!
-Estou sem calcinha!!!
Imaginem vocês o estado em que ele ficou! Não conseguia pensar em outra coisa:
-É hoje…é hoje!!!
Pois bem, foi um lindo casamento na igreja de São Pedro na Vila Zelina e, na seqüência, o mais esperado: A Festa.
Os lituanos mantinham um salão de festas (que existe até hoje) na Rua Lithuânia, uma travessa da rua do Oratório, na Mooca. Quando havia qualquer comemoração ali, a Antártica (cervejaria que tinha suas instalações em nosso querido bairro) providenciava um tipo de chopp muito especial, com sabor um pouco mais forte ao que estamos acostumados, de uma linda cor dourada, espuma muito firme e (essa era a parte que realmente interessava aos lituanos) com o teor alcoólico bem maior.
Ao chegar à porta do salão de festas, Rino e sua namorada foram recepcionados pelo amigo Baltazar com duas canecas daquele maravilhoso chopp. Isabel, que não gostava de cerveja, adorou a bebida e tomou em um só gole! Os dois estavam adentrando o salão quando Irina, outra amiga, oferece uma vodka da Lituânia ao casal. Meu primo já conhecia aquele forte destilado e recusou; no entanto Isabel, embalada pelo chopp, resolveu “encarar”. Na realidade, Rino só pensava nos momentos de prazer que iria passar com sua linda namoradinha espanhola.
Em pouco tempo, formou-se uma roda de amigos junto ao Rino. Enquanto todos riam, bebiam e contavam piadas, meu primo percebeu que Isabel havia desaparecido. Pelo salão, circulavam várias bandejas com aquela bebida que citei no início: a deliciosa e potente “krupnikas”. E não é que Isabel apaixonou-se pelo destilado!!! Deve ter tomado umas cinco ou seis doses!
Enquanto meu primo procurava desesperado por sua namorada, a “lituanada” começou a dançar ao som de músicas folclóricas lituanas, russas e até polcas. E foi justamente na hora da polca que o Balta cutucou Gennarino e falou:
-Rino, aquela ali no palco não é sua namorada?
Ele olhou para o palco e lá estava Isabel, descalça, ladeada por umas 10 loiras tentando dançar a tal da polca.
Todas as garotas, exceto Isabel, pertenciam ao grupo de danças folclóricas e estavam mais do que habituadas àqueles passos. A espanholinha, no entanto, estava completamente perdida, além de bastante embriagada. Resolveu adaptar uns passos que mais pareciam os de uma bailarina do Moulin Rouge dançando “cancan”! E não é que a mocinha incorporou a dançarina de “cancan” e ameaçou levantar o vestido para dar aqueles tradicionais “chutes” no ar!!! Rino ficou pasmo, pálido e partiu ao encontro dela gritando:
-Não Isabel! Cazzo, esqueceu que você está sem calcinha!
Tarde demais! Na empolgação aditivada pelas vodkas e krupnikas, Isabel expôs à comunidade lituana inteira aquilo que nem meu primo havia visto ainda!
Como um bom italiano, Rino subiu rapidamente no palco e arrancou sua namorada de lá. A espanholinha embriagada dizia:
-"Massh amorzhszhinho…eu eshshtou me djivertchindo tanto"!
-Vamos embora daqui que você ainda tem que fazer um “showzinho” particular só pra mim!
Dito isso, Gennarino despediu-se dos amigos com um aceno de mão e literalmente carregou Isabel para o carro. Colocou a jovenzinha ao seu lado e partiu para um motel, conforme haviam combinado!
Enquanto o carro serpenteava pelas ruas da Mooca, ele percebeu que Isabel estava ficando muito pálida. Não, ela estava ficando é verde!!! Rino virou-se pra ela e disse:
-Amore, você está se sentindo bem:
Ela acenou a cabeça negativamente e disse apenas:
-Hum…hum!
-Quer que eu encoste o carro?
E ela acenando com a cabeça, agora concordando:
-Hum…hum!!!
Rino encostou seu carro no meio fio e falou:
-Principessa, você quer vomitar?
A resposta foi um novo aceno concordando.
Como não havia nenhum banheiro acessível nas proximidades, meu primo achou que seria melhor resolver aquela situação ali mesmo. Desceu do carro, dirigiu-se para o lado de Isabel e, gentilmente, abriu a porta para que ela pudesse chegar às vias de fato. Isso feito, a garota vira-se para fora do carro, começa a se abaixar e…cai de cara no chão abrindo uma belo rasgo no queixo! Rino não sabia o que fazer. Ela estava bêbada, desmaiada e sangrando! Decidiu, sabiamente, esquecer o motel, colocou Isabel dentro do carro e "voou" para a casa dos pais de sua amada. Quando explicou o ocorrido para a futura sogra, Dona Assunción, esta entrou no carro e disse:
-Vamos para a clínica do Dr. Gimenez.
Dr. Gimenez era médico da família há pelo menos 15 anos e tinha uma clínica muito bem equipada no alto da Mooca, razoavelmente próxima da casa de Isabel.
Ao chegar, Rino providenciou uma pequena maca, onde acomodou Isabelita, e todos entraram juntos numa das salas de primeiros socorros onde uma enfermeira, dessas que tem cara de enfermeira de filme de terror, aguardava com uma seringa na mão. Meu primo não acreditava naquela situação. Parecia que ele estava protagonizando a última versão de Sexta-feira 13. E o pior é que ele sabia que iria ficar na mão! A maravilhosa noite de amor tinha se diluído em algumas doses de Krupnikas!
Além do corte no queixo, Isabel apresentava algumas escoriações nos joelhos e braços. A enfermeira olhou para a garota e deu seu diagnóstico:
-Isso é pura bebedeira! Vamos aplicar glicose na veia e verificar se ela machucou-se em algum outro lugar. Após a aplicação intra-venosa, partiu pra examinar a garota. Tentou inutilmente desamarrar um lindo cinto dourado que dava acabamento ao vestido de Isabel. Não teve dúvidas em sacar de uma tesoura cirúrgica e cortar o belo adereço. Sem pedir licença a ninguém, fez menção de levantar o vestido da espanholinha para examiná-la. Novamente Rino empalideceu: ” a calcinha…ou melhor, a falta dela”!!!
Meu primo tentou sair daquela sala, mas não houve tempo. A bruxa de branco (era assim que ele estava vendo aquela enfermeira) foi mais ágil e, num gesto súbito levantou o vestido de Isabel. A mãe da garota, ao ver que sua filha estava com sua intimidade exposta, fuzilou Rino com os olhos e disse:
-Usted “estrupô” minha niña!!! Perro desgraçado, cabrón!
-No, io amo Isabel. Ma ela ficou bêbada antes que eu conseguisse levá-la pro motel!
A emenda ficou pior que o soneto. Dona Assuncion pegou o sapato de Isabel e sentou na cabeça de Genarinno, abrindo um rasgo em sua testa!
Foi uma recuperação solitária. Depois daquele dia, o casal só conseguia se falar por telefone. Isabel ficou proibida de voltar a ver o povero Rino que, além de não ter conseguido levar sua namorada pro motel, acabou ficando com fama de estuprador!
Mas isso não durou muito tempo. Voltaram a namorar após algumas semanas e hoje estão noivos, de casamento marcado. E para que tudo termine bem, Isabel fez Rino prometer que na festa de seu casamento ninguém vai servir krupnikas, nem tocar polca.